1: Conflito gerador da
narrativa
O Homem Nu
Fernando Sabino
Ao acordar, disse para a mulher:
— Escuta,
minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com
a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da
cidade, estou a nenhum.
—
Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
— Não
gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as
minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não
faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até
cansar — amanhã eu pago.
Pouco
depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas
a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café.
Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como
estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes
de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o
mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal
seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo,
impulsionada pelo vento.
Aterrorizado,
precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando
ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro
interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que
já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
— Maria!
Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.
Quanto
mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto
isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir
lentamente os andares... Desta vez, era o homem da televisão!
Não era.
Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse,
e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o
embrulho de pão:
— Maria,
por favor! Sou eu!
Desta vez
não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos
lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim
despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado.
Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o
elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada
passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou
aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis
que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
— Ah,
isso é que não! — fez o homem nu, sobressaltado.
E agora?
Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo,
podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava
sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um
verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e
desvairado Regime do Terror!
— Isso é
que não — repetiu, furioso.
Agarrou-se
à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a
parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de
que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo
continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada: "Emergência:
parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela
desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o
elevador subir. O elevador subiu.
— Maria!
Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma
cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se,
acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o
embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
— Bom
dia, minha senhora — disse ele, confuso. — Imagine que eu...
A velha,
estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
— Valha-me
Deus! O padeiro está nu!
E correu
ao telefone para chamar a radiopatrulha:
— Tem um
homem pelado aqui na porta!
Outros
vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
— É um
tarado!
— Olha,
que horror!
— Não
olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a
esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como
um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos
minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
— Deve
ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era:
era o cobrador da televisão.
Texto
02:
A última crônica
Fernando
Sabino
A
caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao
balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me
assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta
busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas
recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da
convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao
episódico, nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer
nas palavras de uma criança ou num incidente doméstico, torno-me simples
espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a
cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança:
“assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto.
Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma
crônica.
Ao fundo do botequim, um casal de pretos
acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de
espelhos. A compostura da humildade, na contenção dos gestos e palavras,
deixa-se acentuar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na
cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal
ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao
redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição
tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para
algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar
o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se
para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe
limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a
aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta
para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da
naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do
freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no
pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia
triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha
a garrafa de coca-cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que
não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à
mesa a um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante,
retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos e espera. A filha
aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de
mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a
mãe espeta caprichosamente na fatia de bolo. E, enquanto ela serve a coca-cola,
o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha
repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas.
Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio,
a que os pais se juntam discretos: parabéns pra você...” Depois, a mãe recolhe
as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com
as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando com ternura –
ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao
colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer
intimamente do sucesso da celebração. De súbito, dá comigo a observá-lo, nossos
olhos se encontram, ele se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a
cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria a minha última crônica: que
fosse pura como esse sorriso.
2: Efeitos de recursos
estilísticos e morfossintáticos
Texto
01:
"O senhor tolere, isto é sertão. Uns querem que
não seja: que situação sertão é por os campos-gerais a fora e dentro, eles
dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de
Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar
sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze
léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive o seu cristo-
jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes.
Mas, hoje que na beira dele, tudo dá- fazendões de fazendas, almargem de
vargens do bom render, a vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras
de grossura, até ainda virgens dessas há lá. O gerais corre em volta. Esses
gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer a prova, o senhor sabe: pão
ou pães, é questão de opiniães ...O sertão está em toda parte.“
(Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa)
Texto
02:
“Trem das cores” (Caetano
Veloso)
A franja na encosta
Cor de laranja, capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem, a lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam, madruga
Reluz neblina
Crianças cor de romã entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato lábios cor de açaí
E aqui, trem das cores
Sábios projetos: tocar na central
E o céu de um azul celeste celestial
Texto 03:
Horácio Dídimo A PALAVRA E A
PALAVRA
a palavra chave
a palavra chave
já não fecha
nem abre
a palavra amor
muda de cor
a palavra verde
amadurece
a palavra ave
voa no papel
a solução
daqui a cem anos
todos os nossos problemas
nos terão resolvido
já não fecha
nem abre
a palavra amor
muda de cor
a palavra verde
amadurece
a palavra ave
voa no papel
a solução
daqui a cem anos
todos os nossos problemas
nos terão resolvido
As casas
após longa espera
nada aconteceu
as casas continuaram
baixas
tão baixas
que muitos de seus
habitantes rastejavam
enquanto outros
desistiam de antigas reivindicações
As doces meninas de outrora
as doces meninas de
outrora
amanheceram
vestiram os vestidos
novos
pintaram as unhas de
vermelho
por um instante
resplandeceram
depois baixaram as
cabecinhas louras
e envelheceram como
as flores
Triste
triste não é saber
que não há
nem que não haverá
triste é saber que
nunca houve
e que agora para
todo o nunca
choraremos
isso
não sei o que quero
dizer com isso
mas sei que isso
é o que eu quero dizer
não sei o que quero
dizer com isso
mas sei que isso
é o que eu quero dizer
3: Fato e opinião
Texto
01:
Muitos
jornais reservam espaço para que seus leitores façam esses pronunciamentos.
Veja, por exemplo, um desses textos extraído da seção “Painel do Leitor”, da
Folha de São Paulo, do dia 21 de julho de 1988. O texto contém o protesto de um
médico contra o artigo de um jornalista daquele jornal:
Médicos
Fiquei
chateado com o artigo de Gilberto Dimenstein “Médicos, políticos e patifes”.
Porque sou médico e porque sou obstetra. E porque faço cesarianas. Nunca fiz
uma cesárea para ganhar mais da Previdência Social. Mesmo porque, ganhar mais
de nada é ganhar mais nada. Atualmente, o INAMPS paga ao médico Cz$ 6.500 por
um parto; por uma cesariana, Cz$ 6.500. A mesma e igual irrisória quantia, paga
dois meses após o atendimento, sem correção monetária. Consulte um órgão
pagador do INAMPS e informe-se, confira.
Roberto
Sartori – Botucatu, SP.
4: Informação primária e
informação secundária
Texto
01:
A disciplina
do amor
Foi na França, durante a segunda grande guerra: um jovem tinha um
cachorro que, todos os dias, pontualmente, ia esperá-lo voltar do trabalho.
Postava-se na esquina, um pouco antes das seis da tarde. Assim que via o dono,
ia correndo ao seu encontro e, na maior alegria, acompanhava-o com seu
passinho, saltitante de volta a casa. A vila inteira já conhecia o cachorro, e
as pessoas que passavam faziam-lhe festinhas e ele correspondia, chegava a
correr todo animado atrás dos mais íntimos. Para logo voltar atento ao seu
posto e ali ficar sentado até o momento em que seu dono apontava lá longe. Mas
eu avisei que o tempo era de guerra, o jovem foi convocado. Pensa que o
cachorro deixou de esperá-lo? Continuou a ir diariamente até a esquina, fixo o
olhar ansioso naquele único ponto, a orelha em pé, atenta ao menor ruído que
pudesse indicar a presença do dono bem-amado. Assim que anoitecia, ele voltava
para casa e levava sua vida normal de cachorro, até chegar o dia seguinte.
Então disciplinadamente, como se tivesse um relógio preso à pata, voltava ao
seu posto de espera. O jovem morreu num bombardeio, mas, no pequeno coração do
cachorro, não morreu a esperança. Quiseram prendê-lo, distraí-lo. Tudo em vão.
Quando ia chegando aquela hora, ele disparava para o compromisso assumido,
todos os dias. Com o passar dos anos (a memória dos homens!), as pessoas foram
se esquecendo do jovem soldado que não voltou. Casou-se a noiva com um primo.
Os familiares voltaram-se para os outros familiares. Os amigos, para outros
amigos. Só o cachorro, já velhíssimo (era jovem quando o jovem partiu),
continuou a esperá-lo na sua esquina. As pessoas estranhavam, mas quem esse
cachorro está esperando?... Uma tarde (era inverno), ele lá ficou, o focinho
voltado para aquela direção.
(TELLES, Lygia
Fagundes. A disciplina do amor. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980, p. 99)
PROPOSTAS DE
ATIVIDADES
Ø Debate sobre o texto, discutindo
a relação homem x animal, valores humanos e a criação de bichos de estimação;
Ø Produção de um texto sobre o seu
bichinho de estimação;
Ø Leitura de outros textos que
tratem dos valores humanos relacionados ao texto;
Ø Trabalho de pesquisa sobre bichos
de estimação exóticos;
Ø Apresentação do filme “Sempre ao
seu lado”, com Richard Gere;
Ø Produção de texto, contando a
história do filme;
Ø A partir de recortes de revistas,
criação de cartazes para campanha em prol de princípios como esperança,
fidelidade, lealdade, companheirismo, generosidade etc.
Texto
02:
5: Inferência de sentidos
Texto
01:
O
capoeira
— Qué apanhá sordado?
— O quê?
— Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.
— Qué apanhá sordado?
— O quê?
— Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.
Texto 02:
Erro
de português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
6: Relacionando textos
Texto
1:
" Lembro-me de quando era
criança e via,
como hoje não posso ver,
a manhã a raiar sobre a cidade.
como hoje não posso ver,
a manhã a raiar sobre a cidade.
Ela não raiava para mim
mas para a vida
porque então eu, (não sendo
consciente)
eu era a vida.
E via a manhã e tinha alegria
Hoje vejo a manhã, tenho alegria
e fico triste.
Eu vejo como via,
mas por trás dos olhos, vejo-me
vendo.
E só com isso, se obscurece o
sol,
o verde das árvores é velho,
e as flores murcham antes de
aparecidas."
Do Livro do
Desassossego- Fernando Pessoa.
Texto
02:
Meus Oito Anos (Casimiro de Abreu)
Oh! que
saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
Doze Anos
Ai, que saudades que eu
tenho
Dos meus doze anos
Que saudade ingrata
Dar banda por aí
Fazendo grandes planos
E chutando lata
Trocando figurinha
Matando passarinho
Colecionando minhoca
Jogando muito botão
Rodopiando pião
Fazendo troca-troca
Ai, que saudades que eu tenho
(...)
Chico Buarque de Holanda
Texto
03:
“...
em volta das bicas era um zunzum crescente: uma aglomeração tumultuosa de
machos e fêmeas. Uns, após os outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do
fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As
mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar;
via-se-lhes a tostada da nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam,
suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se
preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da
água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra
as palmas das mãos. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e
fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro
e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao
trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás
da estalagem ou no recanto das hortas.” AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 13 ed. São Paulo, Martins, 1957, p.42.
Texto
04:
“Sempre
achei que os mortos deviam usar chapéu. Agora vejo que não. Vejo que têm a
cabeça pontuda e um lenço amarrado na mandíbula. Vejo que têm a boca um pouco
aberta que se percebem, por detrás dos lábios arroxeados, os dentes escuros e
irregulares. Vejo que têm a língua mordida de um lado, grossa e pastosa, um
pouco mais escura que a cor da cara, a mesma cor dos dedos quando os apertamos
com um barbante. Vejo que têm os olhos abertos, muito mais que os de um homem;
ansiosos e vazios, e que a pele parece de terra calcada e úmida. Acreditava que
um morto parecia uma pessoa quieta e adormecida, e agora vejo que é exatamente
o contrário. Vejo que parece uma pessoa acordada e raivosa, depois de uma
briga.”
MARQUEZ, Gabriel
Garcia. A revoada (O enterro do diabo).
Rio de Janeiro: Record, 1999.
Você
observou trechos de textos predominantemente descritivos. A partir disso, faça o que se pede a seguir:
a)
O
trecho 3 apresenta um cenário decrépito, em que pessoas “animalizadas” se
molham. Descreva o contrário: um cenário, com toda pompa, onde pessoas
abastadas se reúnem e desfrutam de iguarias e vangloriam-se.
b)
No
trecho 4, temos a descrição de um cadáver feita por um garoto que presencia um
enterro. Escreva, como se continuasse o texto, dando detalhes de como foi o
sepultamento daquele homem.
Texto
05:
O último poema
Manuel
Bandeira
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
(RELACIONAR
COM “A ÚLTIMA CRÔNICA”, DE FERNANDO SABINO)
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam
trombeta, anunciou:
vai carregar
bandeira.
Cargo muito pesado
pra mulher,
esta espécie ainda
envergonhada.
Aceito os
subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não
possa casar,
acho o Rio de Janeiro
uma beleza e
ora sim, ora não,
creio em parto sem dor.
Mas o que sinto
escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens,
fundo reinos
dor não é amargura.
Minha tristeza não
tem pedigree,
já a minha vontade de
alegria,
sua raiz vai ao meu
mil avô.
Vai ser coxo na vida
é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou.
(Adélia Prado)
Poema de Sete Faces
Quando nasci um anjo
torto
desses que vive na
sombra
disse: Vai, Carlos!
Ser gauche na vida.
As casas espiam os
homens
Que correm atrás de
mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
Não houvesse tantos
desejos.
O bonde passa cheio
de pernas:
Pernas brancas pretas
amarelas.
Para que tanta perna,
meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do
bigode
é sério, simples e
forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros
amigos
o homem atrás dos
óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me
abandonaste
se sabias que eu não
era Deus
se sabias que eu era
fraco.
Mundo mundo vasto
mundo,
se eu me chamasse
Raimundo
seria uma rima, não
seria uma solução.
Mundo mundo vasto
mundo,
mais vasto é meu
coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente
comovido como o diabo.
(Carlos Drummond de Andrade)
7: Efeitos de humor e
ironia
Texto
01:
Lagoa e a Padaria...
Você sabe
qual a diferença entre a lagoa e a padaria?
Na lagoa há sapinho, e na padaria, assa pão. (http://piadascurtaseengracadas.org/lagoa-e-a-padaria)
Na lagoa há sapinho, e na padaria, assa pão. (http://piadascurtaseengracadas.org/lagoa-e-a-padaria)
Texto 02
O velhinho e a dor na perna...
O velhinho foi ao médico reclamar da dor na perna direita. O médico o examina, examina e não acha nada de errado…- A sua perna não tem nada – conclui. – Está perfeita!
- Então, por que é que dói?
- Deve ser por causa da idade!
- Como é que a outra também tem a mesma idade e não dói?
(http://piadascurtaseengracadas.org/o-velhinho-e-a-dor-na-perna/)
Texto 03
O boletim do Joãozinho da Escola..
Assim que Joãozinho chega da escola, o pai já fala:— Quero ver o seu boletim!
Joãozinho diz: – Infelizmente não vai dar!…
— Como não vai dar?!
Joãozinho: - É que eu emprestei para um amigo… Ele queria dar um susto no pai dele!
(http://piadascurtaseengracadas.org/o-boletim-do-joaozinho-da-escola/)
Texto 04
Canção
do exílio
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959
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