sexta-feira, 13 de setembro de 2013

SUGESTÕES DE TEXTOS PARA ITENS





1: Conflito gerador da narrativa
O Homem Nu
Fernando Sabino

Ao acordar, disse para a mulher:
— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa.  Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém.   Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão.  Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares...  Desta vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
— Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
— Ah, isso é que não!  — fez o homem nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
— Isso é que não — repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar.  Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador.  Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer?  Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso.  — Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
— Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
— Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
— É um tarado!
— Olha, que horror!
— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.




Texto 02:
A última crônica
                                           
Fernando Sabino

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico, nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num incidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim, um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção dos gestos e palavras, deixa-se acentuar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de coca-cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa a um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia de bolo. E, enquanto ela serve a coca-cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam discretos: parabéns pra você...” Depois, a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. De súbito, dá comigo a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria a minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

2: Efeitos de recursos estilísticos e morfossintáticos

Texto 01:
"O senhor tolere, isto é sertão. Uns querem que não seja: que situação sertão é por os campos-gerais a fora e dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive o seu cristo- jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje que na beira dele, tudo dá- fazendões de fazendas, almargem de vargens do bom render, a vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas há lá. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer a prova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães ...O sertão está em toda parte.“
(Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa)

Texto 02:
“Trem das cores” (Caetano Veloso)
A franja na encosta
Cor de laranja, capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem, a lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam, madruga
Reluz neblina
Crianças cor de romã entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato lábios cor de açaí
E aqui, trem das cores
Sábios projetos: tocar na central
E o céu de um azul celeste celestial

Texto 03:
Horácio Dídimo A PALAVRA E A PALAVRA

a palavra chave

a palavra chave
já não fecha
nem abre

a palavra amor
muda de cor

a palavra verde
amadurece

a palavra ave
voa no papel


a solução

daqui a cem anos

todos os nossos problemas
nos terão resolvido
As casas

após longa espera
nada aconteceu

as casas continuaram baixas

tão baixas
que muitos de seus habitantes rastejavam
enquanto outros desistiam de antigas reivindicações

As doces meninas de outrora

as doces meninas de outrora
amanheceram
vestiram os vestidos novos
pintaram as unhas de vermelho
por um instante resplandeceram
depois baixaram as cabecinhas louras
e envelheceram como as flores

Triste

triste não é saber que não há
nem que não haverá
triste é saber que nunca houve
e que agora para todo o nunca
choraremos


isso

não sei o que quero
dizer com isso

mas sei que isso
é o que eu quero dizer


3: Fato e opinião
Texto 01:
Muitos jornais reservam espaço para que seus leitores façam esses pronunciamentos. Veja, por exemplo, um desses textos extraído da seção “Painel do Leitor”, da Folha de São Paulo, do dia 21 de julho de 1988. O texto contém o protesto de um médico contra o artigo de um jornalista daquele jornal:
Médicos
Fiquei chateado com o artigo de Gilberto Dimenstein “Médicos, políticos e patifes”. Porque sou médico e porque sou obstetra. E porque faço cesarianas. Nunca fiz uma cesárea para ganhar mais da Previdência Social. Mesmo porque, ganhar mais de nada é ganhar mais nada. Atualmente, o INAMPS paga ao médico Cz$ 6.500 por um parto; por uma cesariana, Cz$ 6.500. A mesma e igual irrisória quantia, paga dois meses após o atendimento, sem correção monetária. Consulte um órgão pagador do INAMPS e informe-se, confira.
Roberto Sartori – Botucatu, SP.

4: Informação primária e informação secundária
Texto 01:
A disciplina do amor

Foi na França, durante a segunda grande guerra: um jovem tinha um cachorro que, todos os dias, pontualmente, ia esperá-lo voltar do trabalho. Postava-se na esquina, um pouco antes das seis da tarde. Assim que via o dono, ia correndo ao seu encontro e, na maior alegria, acompanhava-o com seu passinho, saltitante de volta a casa. A vila inteira já conhecia o cachorro, e as pessoas que passavam faziam-lhe festinhas e ele correspondia, chegava a correr todo animado atrás dos mais íntimos. Para logo voltar atento ao seu posto e ali ficar sentado até o momento em que seu dono apontava lá longe. Mas eu avisei que o tempo era de guerra, o jovem foi convocado. Pensa que o cachorro deixou de esperá-lo? Continuou a ir diariamente até a esquina, fixo o olhar ansioso naquele único ponto, a orelha em pé, atenta ao menor ruído que pudesse indicar a presença do dono bem-amado. Assim que anoitecia, ele voltava para casa e levava sua vida normal de cachorro, até chegar o dia seguinte. Então disciplinadamente, como se tivesse um relógio preso à pata, voltava ao seu posto de espera. O jovem morreu num bombardeio, mas, no pequeno coração do cachorro, não morreu a esperança. Quiseram prendê-lo, distraí-lo. Tudo em vão. Quando ia chegando aquela hora, ele disparava para o compromisso assumido, todos os dias. Com o passar dos anos (a memória dos homens!), as pessoas foram se esquecendo do jovem soldado que não voltou. Casou-se a noiva com um primo. Os familiares voltaram-se para os outros familiares. Os amigos, para outros amigos. Só o cachorro, já velhíssimo (era jovem quando o jovem partiu), continuou a esperá-lo na sua esquina. As pessoas estranhavam, mas quem esse cachorro está esperando?... Uma tarde (era inverno), ele lá ficou, o focinho voltado para aquela direção.

(TELLES, Lygia Fagundes. A disciplina do amor. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980, p. 99)


PROPOSTAS DE ATIVIDADES
Ø  Debate sobre o texto, discutindo a relação homem x animal, valores humanos e a criação de bichos de estimação;
Ø  Produção de um texto sobre o seu bichinho de estimação;
Ø  Leitura de outros textos que tratem dos valores humanos relacionados ao texto;
Ø  Trabalho de pesquisa sobre bichos de estimação exóticos;
Ø  Apresentação do filme “Sempre ao seu lado”, com Richard Gere;
Ø  Produção de texto, contando a história do filme;
Ø  A partir de recortes de revistas, criação de cartazes para campanha em prol de princípios como esperança, fidelidade, lealdade, companheirismo, generosidade etc.

Texto 02:

5: Inferência de sentidos

Texto 01:

O capoeira


— Qué apanhá sordado?
— O quê?
— Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.

Texto 02:
Erro de português


Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.


6: Relacionando textos
Texto 1:
" Lembro-me de quando era criança e via,
como hoje não posso ver,
a manhã a raiar sobre a cidade.
Ela não raiava para mim
mas para a vida
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMBi274hQpI6yepsyN4ku63cRaapOZ1bwf1w2kZ6QpvBFcrf-oOC4cBa5l_b0oJ53ncbwKjDplUryZ2VyO2n4Jr-Lg2DKEU6c4qnFGab51lF0ZXLoA8h6hBiFabEUr8MNOsbalXBLsRO8/s320/fpessoa.gifporque então eu, (não sendo consciente)
eu era a vida.
E via a manhã e tinha alegria
Hoje vejo a manhã, tenho alegria
e fico triste.
Eu vejo como via,
mas por trás dos olhos, vejo-me vendo.
E só com isso, se obscurece o sol,
o verde das árvores é velho,
e as flores murcham antes de aparecidas."
Do Livro do Desassossego- Fernando Pessoa.
Texto 02:
Meus Oito Anos (Casimiro de Abreu)

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!


Doze Anos
Ai, que saudades que eu tenho
Dos meus doze anos
Que saudade ingrata
Dar banda por aí
Fazendo grandes planos
E chutando lata
Trocando figurinha
Matando passarinho
Colecionando minhoca
Jogando muito botão
Rodopiando pião
Fazendo troca-troca
Ai, que saudades que eu tenho
(...)
Chico Buarque de Holanda


Texto 03:
“... em volta das bicas era um zunzum crescente: uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após os outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada da nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas das mãos. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.”  AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 13 ed. São Paulo, Martins, 1957, p.42.

Texto 04:
“Sempre achei que os mortos deviam usar chapéu. Agora vejo que não. Vejo que têm a cabeça pontuda e um lenço amarrado na mandíbula. Vejo que têm a boca um pouco aberta que se percebem, por detrás dos lábios arroxeados, os dentes escuros e irregulares. Vejo que têm a língua mordida de um lado, grossa e pastosa, um pouco mais escura que a cor da cara, a mesma cor dos dedos quando os apertamos com um barbante. Vejo que têm os olhos abertos, muito mais que os de um homem; ansiosos e vazios, e que a pele parece de terra calcada e úmida. Acreditava que um morto parecia uma pessoa quieta e adormecida, e agora vejo que é exatamente o contrário. Vejo que parece uma pessoa acordada e raivosa, depois de uma briga.”
MARQUEZ, Gabriel Garcia. A revoada (O enterro do diabo). Rio de Janeiro: Record, 1999.
Você observou trechos de textos predominantemente descritivos.  A partir disso, faça o que se pede a seguir:

a)    O trecho 3 apresenta um cenário decrépito, em que pessoas “animalizadas” se molham. Descreva o contrário: um cenário, com toda pompa, onde pessoas abastadas se reúnem e desfrutam de iguarias e vangloriam-se.
b)    No trecho 4, temos a descrição de um cadáver feita por um garoto que presencia um enterro. Escreva, como se continuasse o texto, dando detalhes de como foi o sepultamento daquele homem.

Texto 05:
O último poema
Manuel Bandeira

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
(RELACIONAR COM “A ÚLTIMA CRÔNICA”, DE FERNANDO SABINO)
Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
(Adélia Prado)

Poema de Sete Faces
Quando nasci um anjo torto
desses que vive na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
Que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
Não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
Pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
(Carlos Drummond de Andrade)

7: Efeitos de humor e ironia
Texto 01:
Lagoa e a Padaria...
Você sabe qual a diferença entre a lagoa e a padaria?
Na lagoa há sapinho, e na padaria, assa pão.
(http://piadascurtaseengracadas.org/lagoa-e-a-padaria)

Texto 02

O velhinho e a dor na perna...

O velhinho foi ao médico reclamar da dor na perna direita. O médico o examina, examina e não acha nada de errado…
- A sua perna não tem nada – conclui. – Está perfeita!
- Então, por que é que dói?
- Deve ser por causa da idade!
- Como é que a outra também tem a mesma idade e não dói?

(http://piadascurtaseengracadas.org/o-velhinho-e-a-dor-na-perna/)

Texto 03

O boletim do Joãozinho da Escola..

Assim que Joãozinho chega da escola, o pai já fala:
— Quero ver o seu boletim!
Joãozinho diz: – Infelizmente não vai dar!…
— Como não vai dar?!
Joãozinho: - É que eu emprestei para um amigo… Ele queria dar um susto no pai dele!

(http://piadascurtaseengracadas.org/o-boletim-do-joaozinho-da-escola/)

Texto 04
Canção do exílio


Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
 

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!


In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959


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